Pesquisadores brasileiros criam método de identificar eletronicamente várias espécies vegetais.
Fonte: Valor Econômico

Os aparelhos portáteis, que devem ser importados pelo governo federal ao custo de € 21 mil cada, serão calibrados a partir de uma tecnologia inédita desenvolvida no Laboratório de Produtos Florestais, do Serviço Florestal Brasileiro (FSB), em Brasília.
“Pela primeira vez no mundo, a espectroscopia – técnica que mede a absorção de energia luminosa pelos materiais – é aplicada em madeira tropical”, afirma a pesquisadora Tereza Cristina Pastore. O método foi publicado neste ano pela equipe brasileira na revista científica da International Association of Wood Anatomists, com foco na identificação do mogno.
A espécie tem comercialização controlada no mundo, figurando no Anexo 2 da Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas da Fauna e Flora Silvestres (Cites). No Brasil, só pode ser explorado mediante plano de manejo florestal para a redução de impactos e toda atividade econômica envolvendo a espécie é obrigatoriamente acompanhada pelo Comitê Técnico Científico, do qual participam centros de pesquisa, governo e ONGs. Estima-se que antes das normas, utilizadas desde 2003, foram derrubadas na Amazônia 2 milhões de árvores dessa espécie em 30 anos.
“O problema é que o mogno pode escapar do controle porque é visualmente muito semelhante a outras espécies, como a andiroba”, explica Tereza, advertindo que “se vende muito gato por lebre no mercado internacional”. A dificuldade costuma exigir longo tempo de treinamento dos fiscais para o trabalho, mas, segundo a pesquisadora, não há segurança na identificação a olho nu até para os mais experientes. Para as pesquisas, foram obtidas amostras de madeiras nativas junto a empresas florestais e de mogno apreendido no porto de Paranaguá (PR). Os cientistas aplicaram a espectometria para desenvolver modelos com gráficos para diferenciar as espécies de madeiras. “Com a tecnologia da informação, a leitura das curvas é instantânea”, explica.
O método já é tradicionalmente utilizado pelas empresas de celulose para avaliar as características do eucalipto e do pinus, tarefa essencial para o planejamento da produção industrial. As aplicações se estendem à indústria farmacêutica para a quantificação de substâncias nos medicamentos, e até mesmo na separação dos diferentes cafés para o blend das torrefadoras.
“Como desdobramento da pesquisa, propomos a tecnologia para diferenciar o carvão oriundo de floresta nativa e plantada, importante no controle do uso pelas siderúrgicas”, revela Tereza. “Precisamos expandir o acervo de amostras de madeira para calibrar o modelo, dando suporte à fiscalização, principalmente no momento atual, quando a Europa e os Estados Unidos fecham o cerco comercial contra o produto florestal ilegal e predatório”, completa a pesquisadora.
“O Brasil avançou nas ferramentas para o controle da madeira, passando do papel em várias vias para o sistema eletrônico”, avalia Antônio Carlos Hummel, presidente do SFB. Apesar dos ganhos, brechas para fraudes persistem. De acordo com o último relatório do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), 33% da produção madeireira amazônica tiveram origem ilegal em 2009.
“O desafio agora é conceber um sistema eficiente para se rastrear a madeira da floresta até o consumo”, afirma Hummel. A grande dificuldade, segundo ele, é o desdobramento da madeira em diferentes produtos nas serrarias e fábricas ao longo desse caminho. As áreas de floresta pública sob concessão para exploração por empresas deverão ser palco dos primeiros projetos pilotos em busca de uma solução.
A instalação de chips para o acompanhamento por satélite dos caminhões é uma alternativa em estudos para o maior controle contra fraudes. O objetivo é forçar que as toras sejam exploradas apenas em áreas licenciadas e não em unidades de conservação ou terras indígenas, alvo de madeireiros ilegais. No Acre, o governo estadual tem o projeto de criar, em conjunto com ONGs, uma espécie de “cerca digital”, para o controle do transporte de madeira dentro de um corredor de rodovias até a entrega ao comprador autorizado a receber a carga, nas grandes capitais do Centro-Sul.
Também começam a surgir plataformas on line, como a desenvolvida por pesquisadores do SFB com informações sobre 157 espécies madeireiras, das quais 57 estão entre as mais comercializadas. O sistema reúne 60 diferentes parâmetros de cada espécie, da nomenclatura à textura, cor, peso, cheiro, distribuição geográfica e status de conservação – ou seja, se estão em listas brasileiras ou estrangeiras da flora ameaçada de extinção.
É possível pedir a comparação de várias características na mesma tela, inclusive com fotos da estrutura da madeira ampliada dez vezes. O sistema é utilizado em cursos de identificação de madeira para agentes do Ibama, técnicos de secretarias de meio ambiente, peritos da Polícia Federal e policiais ambientais, com objetivo de evitar a chegada de produto não autorizado ao mercado.
Em São Paulo, principal destino da madeira amazônica, agentes da Polícia Ambiental realizam periodicamente operações nas estradas para conferir se o volume e as espécies de madeira estão de acordo com o documento para o transporte. Diante da dificuldade para a identificação da madeira pelos policiais, a equipe da pesquisadora Sandra Florsheim, do Instituto Florestal, chegou a uma solução: um sistema portátil, com notebook plugado a um microspópio, que capta as nuances da madeira sob vários ângulos. As imagens são enviadas pela internet para análise nos laboratórios do instituto que, em poucos minutos, encaminha on line o laudo técnico para os policiais.
O modelo despertou a atenção de outros estados, como Pará, Mato Grosso e Acre, para o treinamento dos agentes na fiscalização digital. Na última operação realizada em território paulista, nos dias 5 e 6 de junho, a tecnologia contribuiu para a aplicação de 50 multas, totalizando R$ 2,2 milhões.